O examinador explora, na presente questão, o conhecimento do candidato acerca das previsões contidas no Código Civil e no ordenamento jurídico brasileiro referentes ao instituto da Responsabilidade. Senão vejamos:
Assinale a alternativa INCORRETA.
A) Há previsão expressa de responsabilidade extracontratual solidária no Código Civil brasileiro.
A doutrina brasileira divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual. Em ambas há violação de um dever jurídico preexistente e a sua diferença se dá na origem desse dever que pode ser contratual ou decorrente de lei. Os doutrinadores classificam a responsabilidade civil do administrador como sendo aquiliana ou extracontratual por ser aquela que pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito ou pela própria lei.
Neste sentido, vejamos exemplos de previsão expressa de responsabilidade extracontratual solidária (quando em uma mesma obrigação houver mais de um responsável pelo seu cumprimento) no Código Civil Brasileiro, nos artigos 932 e 942:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
(...)
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no
art. 932 .
Assertiva correta.
B) Na responsabilidade extracontratual, como na contratual, se exige constituição em mora.
Extrai-se do Código Civil:
A obrigação ex delicto, ou seja, a obrigação de reparar os prejuízos causados à vítima do delito nasce com o ato ilícito, tornando-se desde logo exigível. Daí por que os juros moratórios são contados desde o momento em que o ato delituoso é cometido.
E corrobora o entendimento da Súmula 54 do STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
Assertiva INCORRETA.
C) A responsabilidade solidária não se presume, resultando da lei ou da vontade das partes.
Conforme já visto, a solidariedade não se presume, devendo resultar da vontade da lei ou ainda, da manifestação de vontade inequívoca das partes (art. 265 do CC ).
Assertiva correta.
D) Haverá responsabilidade civil objetiva, no sistema do Código Civil, quando houver expressa determinação legal ou quando a atividade habitual do agente, por sua natureza, implicar risco para o direito de outrem, o que não exclui outros subsistemas de responsabilidade civil objetiva.
Estabelece o artigo 927:
Aquele que, por ato ilícito (
arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
E ainda, a doutrina:
"Na teoria objetiva ou teoria do risco não se cogita da intenção (dolo) ou do modo de atuação do agente (culpa em sentido estrito: negligência, imprudência ou imperícia), mas apenas da relação de causalidade entre a ação lesiva e o dano (v. Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil nas atividades nucleares, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985). Assim, enquanto na responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, examina-se o conteúdo da vontade presente na ação, se intencional ou não, tal exame não é feito na responsabilidade objetiva, fundamentada no risco, na qual basta a existência do nexo causal entre a ação e o dano, porque, de antemão, aquela ação ou atividade, por si só, é considerada potencialmente perigosa.
Existem várias teorias sobre o risco: o risco integral, em que qualquer fato deve obrigar o agente a reparar o dano, bastando a existência de dano ligado a um fato para que surja o direito a indenização; a teoria do risco proveito, baseada na ideia de que quem tira proveito ou vantagem de uma atividade e causa dano a outrem tem o dever de repará-lo — ubi emolumentum, ibi onus; a teoria dos atos normais e anormais, medidos pelo padrão médio da sociedade. No entanto, a teoria que melhor explica a responsabilidade objetiva é a do risco criado, adotada pelo Código Civil de 2002, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios. Nesta teoria não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma, que é potencialmente geradora de risco a terceiros (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p. 284 e 285). Como se verifica na teoria do risco criado, a responsabilidade civil é realmente objetiva, por prescindir de qualquer elemento subjetivo, de qualquer fator anímico; basta a ocorrência de dano ligado causalmente a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo agente.
Código Civil, ao regular a responsabilidade civil, alarga a aplicação da responsabilidade objetiva, com a adoção da teoria do risco criado, já que o parágrafo único deste dispositivo estabelece a sua aplicação não só nos casos previstos em leis especiais, mas também quando a atividade normalmente desenvolvida pelo agente implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, embora mantenha o sistema em que a regra geral é a responsabilidade subjetiva, conforme art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
No entanto, embora a teoria do risco tenha galgado espaço em fase da introdução de atividades perigosas na sociedade, sendo ditada por leis especiais, como o Código do Consumidor (Lei n. 8.078/90, arts. 12, 13 e 14), a teoria subjetiva ou da culpa, que já era o grande “fundo animador" da responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico, continuou a sê-lo no Código Civil de 2002 (v. Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 7. ed. e 16. ed., São Paulo, Saraiva, respectivamente 1993 e 2002, v. 7, respectivamente p. 32, 33 e 38).
No direito positivo, a subsistência da teoria da culpa é uma realidade com a qual deve coexistir a teoria do risco. Ressalta-se que não há razão para que um conceito exclua o outro: a culpa e o risco se completam, na busca de seu objetivo comum — a reparação do dano (cf. Washington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva ,Curso de direito civil, 37. ed., São Paulo, Saraiva, 2010, v. 5, p. 566).
Pode-se concluir que o dever de reparar surge, em regra geral, de atos ilícitos, diante dos quais é necessária a demonstração da culpa, em sentido largo, do lesante, e, em caráter excepcional, por força de disposição legal expressa ou de risco na atividade do agente, de atos lícitos, os quais geram aquele dever com base no fato de o agente ter colocado em ação forças que são fontes de perigo e de potenciais danos para outrem. A responsabilidade civil avança conforme progride a civilização, havendo necessidade de constante adaptação deste instituto às novas necessidades sociais. Bem por isso, as leis sobre essa matéria devem ter caráter genérico, como a regra a seguir sugerida, e aos tribunais cabe delas extrair os preceitos para aplicá-los ao caso concreto. Em suma, não se pode negar a importância da responsabilidade civil, que invade todos os domínios da ciência jurídica, sendo o centro do direito civil e de todos os demais ramos do direito, tanto de natureza pública quanto privada, por constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas relações.
Dentre as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil, como já reconhecem a doutrina e a jurisprudência (v. Mário Moacyr Porto, Responsabilidade civil entre marido e mulher, in Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, coord. Yussef Said Cahali, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 203; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 189; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, 7. ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 80-5; José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 14-6). V. comentários ao art. 1.572 e julgados ali citados.
Muito embora as relações familiares sejam repletas de aspectos sentimentais, religiosos, pessoais e patrimoniais, envolvendo as pessoas num projeto grandioso, preordenado a durar, nem sempre isso acontece, dando-se o rompimento dessas relações. Se esse rompimento ocorre com a prática de ato ilícito — descumprimento de dever e violação a direito que acarreta danos morais ou materiais a outro membro da família —, são aplicáveis os princípios da responsabilidade civil, já que preenchidos os seus pressupostos. São inúmeras as situações em que os deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos morais e materiais aos lesados, citando-se os seguintes exemplos: as lesões corporais ou sevícias, ofensivas à integridade física, as injúrias graves, violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 76-9, 153 e 163-5); o atentado à vida da companheira, configurado em contaminação de doença grave e letal ou em abandono moral e material (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade civil dos conviventes, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese/IBDFAM, v. 1, n. 3, out./dez. 1999, p. 36-9); o abandono moral e material pelo filho do pai idoso e enfermo; a recusa quanto ao reconhecimento da paternidade e à realização de exames que possam comprovar a relação de filiação, com consequente negação à prestação de alimentos (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 1, jan./mar. 2000, p. 83-4), o reiterado e injustificado descumprimento do dever de visitar o filho menor (v. Regina Beatriz Tavares da Silva, Responsabilidade civil nas relações entre pais e filhos, Novo Código Civil: Questões controvertidas, responsabilidade civil, coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves, São Paulo, Método, 2006, p. 463-475). Os lesados nessas circunstâncias, dentre tantas outras, em obediência ao princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos sofridos.
O princípio da reparação de danos encontra respaldo na defesa da personalidade, “repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da sociedade", de modo que “a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação" (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 13-28). A aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil ao direito de família tem amplo respaldo constitucional, precisamente na cláusula geral de proteção à dignidade humana, constante do art. 1º, III, da Lei Maior. E outro relevante dispositivo da Constituição Federal que fundamenta a tese reparatória no direito de família é o art. 226, § 8º, ao estabelecer que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações".
Referência deve ser feita ao art. 186 do Código Civil de 2002, que estabelece: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito", sendo, evidentemente, ato ilícito aquele praticado em violação a um dever de família. Não obstante a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil às relações de família baseie-se nesta regra geral, que consta da Parte Geral do Código e aplica-se, por conseguinte, a todos os Livros deste diploma legal, incluindo o Livro do Direito de Família, recomenda-se o estabelecimento da regra a seguir proposta, observando-se que no direito francês (Código Civil, art. 266) e português (Código Civil, art. 1.792), dentre outros ramos do direito comparado, há norma legal nesse sentido.
Independentemente do sistema jurídico sobre a dissolução do casamento, por tratar-se de norma geral aquela constante do art. 186, inserida na Parte Geral deste Código, a responsabilidade civil deve ser havida como aplicável ao rompimento conjugal. Assim ocorre na união estável, em que não existe regulamentação legal das formas de sua dissolução, mas se considera plenamente aplicável o princípio indenizatório em caso de violação a dever oriundo da união que gere dano, seja moral, seja material. Não se pode deixar sem a proteção do instituto jurídico da responsabilidade civil o membro do casal que sofre danos morais e materiais oriundos de agressão física e de violência moral, entre outras práticas ilícitas no âmbito do casamento e da união estável; merece também essa proteção o consorte que sofre danos materiais decorrentes do extravio ou dissipação de bens do casal pelo outro cônjuge ou companheiro.
Em suma a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada à dignidade da pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na família, que é centro de preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida como núcleo essencial da nação. Conclui-se que a teoria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, inclusive em relações familiares, por meio da reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro do conhecido ditame de neminem laedere." SILVA, Regina Beatriz
Tavares. — 8. ed. Código Civil Comentado – São Paulo : Saraiva, 2012.
Assertiva correta.
Gabarito do Professor: B
Bibliografia:
SILVA, Regina Beatriz
Tavares. — 8. ed. Código Civil Comentado – São Paulo : Saraiva, 2012.